segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O Trabalho na Instituição Carcerária e a Terapia Ocupacional

(Adriana Nogueira)

Uma instituição carcerária é, segundo Goffman (2003), uma instituição total, “onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”, e seu poder disciplinar reside na prática da manipulação do tempo e do espaço.


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Segundo a Lei de Execuções Penais brasileira (BRASIL, 1984), “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva” (art.28); “o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”, sendo que ”para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento (art.31 e seu parágrafo único); e “constituem dever do condenado a execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas” (art.39, inciso V).

Esta lei preconiza ainda que exista uma “proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação” (art.41 inciso V), sendo que este direito pode ser suspenso ou restringido, conforme o parágrafo único deste artigo, “mediante ato motivado do diretor do estabelecimento”, ou seja, a extensão da jornada de trabalho pode ser utilizada como recurso de punição.

Outra questão sobre práticas punitivas relacionadas à atividade laboral do preso encontra-se na Seção IV do Título V da referida lei, na qual encontramos que “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena” (art.126); que “a contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho” (art.126, parágrafo primeiro); e que “o tempo remido será computado para a concessão de livramento condicional e indulto”. Entretanto, indica o artigo 127 que “o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”, caracterizando assim que este processo de remissão da pena via trabalho prisional também se configura como um recurso disciplinador.

A Penitenciária Estadual “Professor Aluízio Ignácio de Oliveira”, localizada no município de Uberaba/MG, com uma área de 60 mil metros quadrados, possui 144 celas distribuídas para abrigar 396 pessoas condenadas a cumprir pena de reclusão, sendo que para manutenção da ordem e disciplina trabalham cerca de 200 agentes de segurança (MINAS GERAIS, 2006). Esta instituição encontra-se atualmente superlotada, abrigando 675 internos, conforme informação fornecida por seu diretor a um veículo de comunicação local (IDALÓ, 2009).

Dentre esse contingente populacional de indivíduos cumprindo suas penas nesta penitenciária, dezesseis (16) deles, que estão sob o regime de prisão semi-aberto, prestam serviços para o Horto da Prefeitura Municipal de Uberaba. Outros noventa e cinco (95) realizam atividades laborais dentro da própria instituição, sendo trinta (30) pessoas na prestação de serviços para a empresa “Bag Fértil” (costura de alças e fundos de sacos para armazenar fertilizantes); dez (10) na produção de móveis sob encomenda na oficina de marcenaria; quatro (4) na oficina de costura na qual se reforma os uniformes usados na instituição; vinte e cinco (25) em serviços gerais tais como limpeza do pátio, entrega de marmitas, lavagem de roupas e poda do jardim; e vinte e seis (26) na horta da instituição, cujos produtos são utilizados na alimentação dos internos e o excedente é doado a famílias de baixa renda que moram na área circunvizinha à instituição (MINAS GERAIS, 2009)

A Penitenciária conta ainda com um programa educacional regular (ensino fundamental e médio) para os condenados, com aulas dentro da própria instituição, sendo que em outubro de 2007 foi implantado um curso superior, cujas aulas se realizam dentro da própria unidade. Possuindo trinta meses de duração, o egresso deste curso receberá o título de Tecnólogo em Produção Sucroalcooleira (MINAS GERAIS, 2008)

Estas iniciativas do sistema penal em oferecer ao indivíduo preso formação educacional e profissional, são ações que, segundo a socióloga Fernanda Vasconcellos, não se constituem instrumentos efetivos para a reinserção social e reeducação do indivíduo condenado à reclusão nas unidades prisionais e se estabelecem mais como uma forma de afastar o ócio do cotidiano da unidade prisional. Além disso, também funcionam como um meio de categorização da população encarcerada em “presos trabalhadores” e “indivíduos criminosos”, pois se percebe que “os presos que não querem trabalhar logo são identificados com o mundo do crime pela instituição penal, assim como pelos próprios internos e, através dessa identificação, a população prisional acaba por ser dividida em dois grupos: o grupo de indivíduos que estão ligados ao crime e o grupo dos indivíduos que estão ligados ao trabalho. O trabalho prisional não foge à ética social do trabalho. Ele aparece nas representações coletivas como um valor universal que diferencia os homens de bem, sendo sinal de decência, organização e marca de honestidade” (HASSEN, 1999 apud VASCONCELLOS, 2007).

Outro aspecto das dificuldades enfrentadas pelo sistema prisional, que contribuem para a ineficácia dos programas educacionais e laborais, é a questão do impacto da cultura prisional no ser humano, que se caracteriza pela submissão do indivíduo preso às agressões físicas e/ou psicológicas sofridas no ambiente carcerário, configurando o processo denominado “institucionalização”, no qual o indivíduo se deixa moldar pelas tradições, valores, atitudes e costumes impostos pelo ambiente institucional. Esta “cultura penitenciária”, com hábitos peculiares de ação, linguagem, forma de alimentar-se, dentre outros, interfere de maneira profunda no processo de reintegração desta pessoa à sociedade extra-muros (BARRETO, 2006).

Portanto, configurando-se como um determinante desta reintegração social, um processo reeducativo eficaz deve auxiliar o ajustamento do indivíduo consigo mesmo e com seus papéis sociais, a sua interação sócio-econômica-cultural e a sua não reincidência na conduta anti-social. Esta reintegração social deve ser entendida como um processo desenvolvido pelo próprio indivíduo, através de uma reeducação automotivada e construída gradativamente ao longo do período do cumprimento de sua pena. Nesta reeducação, “a terapêutica social é tratada como seu eixo fundamental”, entendendo-se esta terapêutica como um meio de instrumentar esta pessoa para a realização das mudanças comportamentais necessárias, e não apenas habilitá-la educacional e/ou profissionalmente. (AGUIAR, 2004).

Desta forma, a Terapia Ocupacional, desenvolvendo seu trabalho de maneira intersetorial e insterdisciplinar, através de seu corpo de conhecimento, pode oferecer alternativas para de fato promover essa reintegração social do indivíduo que encontra-se neste processo. Promovendo o seu desenvolvimento pessoal, aprimorando a sua capacidade criativa, crítica e reflexiva, bem como as suas habilidades para o desenvolvimento profissional em uma sociedade que os reconheça como cidadãos e não como criminosos.


Referências:

AGUIAR, U. O sistema penitenciário e os Direitos Humanos – a ressocialização e as práticas organizacionais. Bahia Análise & Dados - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Salvador, v. 14, n. 1, p. 209-222, jun. 2004.

BARRETO, M.L.S. Depois das grades: um reflexo da cultura prisional em indivíduos libertos. Psicologia Ciência e Profissão vol.26, nº4, p.582-593, dez.-2006.

BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei de Execuções Penais - Lei 7.210 de 11 de julho de 1984.
Disponível em: www. planalto. gov. br/ccivil/leis/L7210.htm

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2003, p. 24.

IDALÓ, E. Penitenciária já abriga dobro da capacidade. JM Online, ago. 2009. Disponível em: www. jmonline. com. br/novo/?noticias,5,POL%CDCIA,13894

MINAS GERAIS. Agência Minas, Secretaria de Estado de Defesa Social, Subsecretaria de Administração Penitenciária. Governo inaugura penitenciárias de Uberaba e Patrocínio. Mar.2006. Disponível em: www. agenciaminas. mg. gov. br/detalhe_noticia.php?cod_noticia=7733

MINAS GERAIS. Agência Minas, Secretaria de Estado de Defesa Social. Parcerias contribuem para ressocialização de presos. Jan.2008. Disponível em: www. agenciaminas. mg. gov.br/detalhe_noticia.php?cod_noticia=17221

MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Defesa Social. Detentos de Uberaba produzem mudas para o Horto Municipal. Disponível em: www. seds. mg. gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=535&Itemid=71

VASCONCELLOS, F.B. Trabalho Prisional e Reinserção Social: Função Ideal e Realidade Prática. Revista Sociologia Jurídica. Nº 5, jul/dez.2007. Disponível em: http://sociologiajur. vilabol. uol. com.br/rev05fervasconcelos.htm

3 comentários:

  1. Realmente é necessário uma mudança na questão do significado do trabalho dentro dos presídios, pois ouvimos na mídia que o trabalho é uma "terapia ocupacional" para o detento. E essa afirmação é muitas vezes feita por profissionais de nível superior, que desconhecem que só pode ser designado de Terapia Ocupacional o processo terapêutico conduzido por profissional devidamente registrado no Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, o COFFITO, e cujas intervenções obedecem a um propósito específico. Parabéns pela iniciativa de trazer para nossa reflexão uma assunto tão complexo de nossa sociedade, e que não deve permanecer somente na esfera jurídica, pois todos somos responsáveis pelo modo como a sociedade trata as pessoas que cumprem, ou já cumpriram, suas penas nos presídios brasileiros.

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  2. Sou estudante de terapia ocupacional na PUC Campinas e gostaria de entrar em contato, pois meu TCC sera sobre a atuação da TO nos presidios

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    1. Mas o email para contato consta no meu perfil aqui do blogger...
      Quando você quiser contactar alguém do blogger só clicar no link "visualizar meu perfil completo" logo abaixo da seção "quem sou eu".
      Ganhamos tempo... :)
      O email é: adriannanogueira@yahoo.com.br
      Um abraço!

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