quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A importância da detecção de morbidades psiquiátricas associadas ao uso abusivo de substâncias químicas

(Adriana Nogueira)

Marques e Ribeiro (2008) apresentam que “comorbidade é a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos mentais ou com outras condições clínicas gerais”, sendo que a ocorrência de comorbidades entre pessoas que enfrentam problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas tem sido relatada na literatura científica.
Esses autores refletem ainda que a investigação da ocorrência dessas comorbidades entre essa população configura-se um importante ponto para a adesão ao tratamento, visto que tais pessoas tendem a procurar por tratamento, e ainda, com a evolução do tratamento do transtorno psiquiátrico associado, o tratamento da dependência da substância tende a também obter sucesso.
Fidalgo, Pan Neto e Silveira (2014), discutem que as comorbidades psiquiátricas estão presentes em até 80% dos alcoolistas e em até 70% dos dependentes de substâncias ilícitas. Depressão e transtornos ansiosos são as mais comumente encontradas. Os estudos científicos não são conclusivos para comprovar o potencial que as substâncias entorpecentes apresentam para desencadear quadros psiquiátricos mais graves, como o transtorno bipolar em seus variados espectros e os transtornos psicóticos, que também são encontrados em associação ao uso abusivo e à dependência de substâncias. Outras comorbidades frequentes são os transtornos que se caracterizam pela presença de impulsividade, como certos transtornos de personalidade. Observa-se ainda que a presença de comorbidades influencia diretamente o prognóstico da dependência.
Hess, Almeida e Moraes (2012), corroboram nesse sentido, apresentando que a presença de transtornos psiquiátricos associados ao uso de drogas é alvo de vários estudos nacionais e internacionais. Esses autores relatam que indivíduos com problemas relacionados ao uso de álccol e outras drogas possuem mais chances de desenvolver um transtorno psiquiátrico, quando comparados a indivíduos que não utilizam drogas, sendo a identificação deste outro transtorno relevante tanto para o prognóstico quanto para o tratamento adequado desses indivíduos. Observa-se que dentre as comorbidades psiquiátricas mais comumente encontradas entre essa população estão os transtornos depressivos, os transtornos ansiosos e os transtornos de personalidade. Dados estatísticos internacionais mostraram ainda que cerca de metade dos indivíduos dependentes de álcool e outras substâncias possuíam um diagnóstico psiquiátrico adicional, sendo 26% Transtornos do Humor, 28% Transtorno de Ansiedade e 18% Transtornos de Personalidade Anti-Social, dentre outras psicopatologias.
Tais autores apresentam ainda que quanto às comorbidades psiquiátricas em pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas, existem evidências de que estas podem ser associadas a aumento da agressividade, de suicídio, e de recaídas ao comportamento de uso da substância após um tempo de abstinência. Estudos demonstram ainda correlações positivas entre o comportamento suicida e traços impulsivos e/ou impulsivo-agressivos, sendo que o suicídio tem sido relacionado à presença de Transtorno da Personalidade Limítrofe e Anti-Social. Um estudo realizado com 34.241 indivíduos no qual 16% reportaram ideação suicida, apontou como fatores de vulnerabilidade para o risco de suicídio a história prévia de tentativa e/ou de ideação suicida, o consumo de cocaína e, ainda, a dificuldade no controle de comportamentos violentos.
Esses estudos mostram que a depressão, incluída nos Transtornos do Humor, é uma das principais comorbidades psiquiátricas associada ao uso de drogas.
A depressão é um transtorno mental comum, caracterizado por humor deprimido, perda de interesse ou prazer, sentimentos de culpa, baixa autoestima, distúrbios do sono e/ou de apetite, desânimo e baixa capacidade de concentração. Os sintomas tendem-se a se tornar crônicos ou recorrentes e causar grave prejuízo à capacidade do indivíduo cumprir com as responsabilidades de seu cotidiano. Em sua pior forma pode levar ao suicídio, o qual está associado à perda mundial de 850.000 vidas anualmente (WHO/OMS, 2009).
Segundo Stewart (2008), a depressão é uma desordem sub-reconhecida e pobremente tratada tanto por especialistas não-psiquiatras quanto pelos clínicos de cuidados primários, sendo que estudos apontam que apenas metade dos pacientes com depressão são identificados em hospitais gerais e unidades de cuidados primários, e menos ainda são adequadamente tratados. Esta autora nos apresenta que entre os principais fatores responsáveis pela baixa identificação da depressão estão: o tempo escasso para as consultas; as comorbidades concorrentes; o estigma da doença: a preferência do clínico em lidar com as condições físicas, e não emocionais, do paciente; a incerteza quanto à eficácia do tratamento e o processo de negação do paciente.
Os transtornos ansiosos, também uma comorbidade associada ao uso de drogas com alto índice de incidência relatado pelos pesquisadores, caracterizam-se pela ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por pelo menos seis meses, nos diversos eventos ou atividades (tais como desempenho escolar ou profissional). O indivíduo considera difícil controlar a preocupação. A ansiedade e a preocupação estão associadas com três (ou mais) dos seguintes sintomas, presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses: (a) inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele; (b) fadiga; (c) dificuldade em concentrar-se ou sensações de "branco" na mente; (d) irritabilidade; (e) tensão muscular; (f) perturbação do sono (dificuldades em conciliar ou manter o sono, ou sono insatisfatório e inquieto). A ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, e a perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral.
Muitos pesquisadores se dedicam à investigação da comorbidade psiquiátrica junto aos dependentes de álcool e outras drogas. Um estudo nos EUA abrangeu mais de 20.000 pessoas e foi estimada uma prevalência de 13,5% de dependência de álcool e 6,1% de dependência de outras drogas. Esse estudo apontou que apresentavam um segundo diagnóstico psiquiátrico 37% dos dependentes de álcool e 53% dos dependentes de outras drogas, observando-se que os transtornos afetivos entre dependentes dessas substâncias era 4,7 vezes maior em relação ao restante da população. Os estudos mostram ainda que os transtornos depressivos são o diagnóstico mais associado à dependência química (SILVEIRA; JORGE, 1999).
Esses autores realizaram um estudo no Brasil com 50 indivíduos farmacodependentes, que foram  selecionados aleatoriamente entre os pacientes de um serviço de tratamento ambulatorial. As prevalências de transtornos mentais ao longo da vida e no momento da entrevista foram de 77% e 72%, respectivamente. Entre os pacientes, 32% apresentavam-se deprimidos por ocasião da avaliação e 44% preencheram critérios diagnósticos para depressão na vida. Os transtornos depressivos precederam a instalação da farmacodependência em 77,3% dos pacientes. Outros transtornos psiquiátricos apareceram em proporções maiores do que as observadas em estudos envolvendo população geral. Os resultados do estudo foram comparados com estudos similares internacionais, concluindo que a alta correlação entre psicopatologia e farmacodependência enfatiza a importância de estratégias terapêuticas baseadas na identificação de comorbidade psiquiátrica nestes casos e que o diagnóstico dos transtornos psiquiátricos associados ao quadro da dependência química possibilita intervenções direcionadas que promovem a interrupção do comportamento da drogadicção e a diminuição da reincidência ao comportamento após o mesmo ter cessado.
Por tudo isso, fica evidenciada a relação das comorbidades psiquiátricas com o uso nocivo e abusivo de substâncias psicoativas, e que sua identificação concorre positivamente para o tratamento e recuperação das pessoas que enfrentam essa problemática em suas vidas.


Referências

HESS, A.R.B.; ALMEIDA, R.M.; MORAES, A.L. Comorbidades Psiquiátricas em dependentes químicos em abstinência em ambiente protegido. Estudos de Psicologia, Natal, v. 17, n. 1, p.171-178, jan./abril 2012.

FIDALGO, T.M.; PAN NETO, P.M.; SILVEIRA, D.X. Abordagem da dependência químicaDisponível em:
http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/casos_complexos/Vila_Santo_Antonio/Complexo_12_Vila_Abordagem_dependencia.pdf Acesso em 20 jun.2014.

MARQUES, A.C.P.R.; RIBEIRO, M. Abordagem geral do usuário de substância com potencial de abuso. Projeto Diretrizes. São Bernardo do Campo (SP): Associação Brasileira de Psiquiatria, fev. 2008, 18p.

SILVEIRA, D.X.; JORGE, M.R. Co-morbidade psiquiátrica em dependentes de substâncias psicoativas: resultados preliminares. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 21, n. 3, p.145-151, set. 1999.

STEWART, D.E. Battling depression. Canadian Medical Association Journal, v.178, n.8, p.1023-1024, abr., 2008.

WHO - World Health Organization. Depression. Disponível em:
http://www.who.int/mental_health/management/depression/en/Acesso em 20 jun.2014.

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