terça-feira, 6 de outubro de 2015

O Terapeuta Ocupacional como profissional de saúde no processo de reabilitação da pessoa com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas

(Adriana Nogueira)

Governo Federal, por meio de organismos tais como o Ministério da Saúde, da Justiça, do Desenvolvimento Social, dentre outros, aponta que a atenção à pessoa com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas deve ser composta por serviços e equipamentos diversos, que atendam as distintas necessidades dessas pessoas. Especificamente na área da saúde o governo aponta a importância dos serviços de atenção básica que ofereçam ações específicas para esse público, bem como os consultórios de rua e os equipamentos especializados como, por exemplo, os CAPS-ad, os leitos hospitalares e as unidades de acolhimento (BRASIL, 2012).
Este documento enfatiza que somente as equipes de saúde possuem a competência necessária para encaminhar o paciente para o serviço que melhor atenda suas necessidades naquele momento específico. A avaliação dos profissionais de saúde garantem o encaminhamento do paciente para esses serviços tais como, por exemplo, os CAPS (tratamento ambulatorial ), internação (hospitais, unidades de acolhimento, dentre outros), bem como atendimento em unidades de pronto-atendimento, dependendo da demanda identificada. Essa avaliação da equipe de saúde apresenta ainda a característica muito importante de poder identificar outras demandas do paciente para além da questão do uso de substâncias. Situações de riscos extremos à saúde, obviamente demandam atendimento imediato, e a identificação da necessidade de outros acompanhamentos, como o sócio-assistencial por exemplo, deverá ser avaliado conjuntamente com a equipe deste serviço (BRASIL, 2012).
Durante o atendimento, devido ao nível de intoxicação do paciente, é comum que o mesmo não forneça as informações mínimas para um atendimento eficaz. Essas informações deverão ser obtidas dos acompanhantes ou dos policiais sempre que for possível. O principal objetivo do atendimento é a manutenção das funções vitais, porém um completo exame físico e mental, bem como exames laboratoriais e análises toxicológicas devem ser realizados para avaliação de comorbidades como, por exemplo, ferimentos, infecção pulmonar, insuficiência do funcionamento hepático e alterações neurológicas. Estudos comprovam a presença concomitante de transtornos psiquiátricos dentre os usuários de substâncias psicoativas, a denominada “comorbidade psiquiátrica”, ou seja, a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos mentais com outras condições clínicas gerais. Os tipos de transtornos mais comuns são: demência, delirium, psicose (esquizofrenia), transtorno de humor (bipolar, distimia, depressão, etc), transtornos ansiosos (pânico, fobia, transtorno obsessivo compulsivo), déficit de atenção/hiperatividade e transtornos de personalidade (FERREIRA et al, 2005).

Os profissionais de saúde possuem ainda um importante papel dentro do processo de reabilitação, que é o de realizar ações promotoras de saúde junto às pessoas por eles atendidas. Na I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada no Canadá em 1986, foi redigida a denominada “Carta de Ottawa”, na qual se encontra que a promoção de saúde é um processo que capacita a comunidade a adquirir comportamentos que melhorem sua saúde e qualidade de vida e a participar de maneira efetiva para controlar este processo. Este documento indica que para se obter “bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente”, e que “a saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver” (BRASIL, 2002).
As ações promotoras de saúde procuram refletir sobre as condições de vida das pessoas, as quais devem tomar suas decisões, tanto individuais quanto coletivas, de maneira que favoreçam a saúde e a qualidade de vida. A promoção de saúde apresenta-se como

uma estratégia de mediação entre as pessoas e seu ambiente, combinando escolhas individuais com responsabilidade social pela saúde. Estas estratégias de promoção da saúde são mais integradas e intersetoriais, bem como supõem uma efetiva participação da população desde sua formulação até sua implementação (BUSS, 2005, p.34-35).

Sendo assim, a promoção da saúde relaciona-se com o cotidiano do indivíduo e ao contexto no qual ele se insere, participa e usufrui o que a vida lhe oferece. Nesse sentido, o profissional de Terapia Ocupacional inserido na equipe de atendimento, possui a responsabilidade de promover a saúde do indivíduo, pois esse campo de atuação está diretamente ligado às atividades cotidianas, as quais definem o estilo e qualidade de vida desta pessoa. Os terapeutas ocupacionais crêem nas qualidades próprias das atividades, necessárias para o bem-estar físico e emocional e, portanto, capaz de promover saúde (HAHN, 1995).
Esta pesquisadora reflete que as atividades que estes profissionais desenvolvem com seus clientes, particularmente as que se enquadram nos conceitos de AVD’s (atividades da vida diária) e AIVD’s (atividades instrumentais da vida diária), devem incluir ações informativas sobre saúde e bem-estar como primeiro objetivo de intervenção. O relacionamento terapeuta-cliente, nestas ações promotoras de saúde e qualidade de vida, se caracteriza então como uma relação muita mais educativa do que terapêutica. Nesse sentido, o terapeuta ocupacional, neste papel de agente educacional promotor de saúde, pode enriquecer sua atuação com as reflexões que Paulo Freire apresenta sobre a arte de ensinar.
Para FREIRE (2002), o ensino é fundamentado pela ética e pelo respeito à dignidade e à autonomia da pessoa a quem se pretende instruir sobre algo. Requer que o educador saiba pensar, no sentido de que duvide de suas próprias certezas, questione suas verdades. Quando ele assim age, existe uma maior facilidade em promover no educando o mesmo espírito. Ensinar requer ainda a aceitação do risco que é aventurar-se em busca do “novo”, rejeitando todas as formas de discriminação que separe as pessoas, pois “ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que foi novo antes e se fez velho e se ‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro amanhã” (p.15). Nesse sentido, torna-se imperativo tanto conhecer o que o educando já sabe, bem como estar aberto ao conhecimento que está em construção, pois “não há docência sem discência”, ou seja, ensinar não é algo próprio do educador. Embora existam diferenças peculiares entre educador e educando, eles não são objetos um do outro, pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (p.12).
Neste modo de se conceber o processo ensino-aprendizagem, prossegue Freire, o educador, apesar de reconhecer o condicionamento a que os seres humanos estão sujeitos, mais ainda reconhece a possibilidade de interferir na realidade e modificá-la, ou seja, o futuro não é algo imutável. O ser humano, enquanto ser inacabado deve estar consciente deste “inacabamento”, pois a diferença entre o ser condicionado e o ser determinado reside exatamente nesta característica, o primeiro possui a consciência do inacabamento, e isto pode levá-lo a deixar de ver os obstáculos como algo pré-estabelecido, uma fatalidade, e reconhecer a transitoriedade dos mesmos. Para Freire, “é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (p.34).
Desta forma, a atuação do terapeuta ocupacional na promoção da saúde, pautada sobre estes princípios apresentados por Paulo Freire, possui a capacidade de estabelecer, junto com o indivíduo ou grupo alvo de sua intervenção, um processo de conscientização de que existem outras possibilidades além da realidade apresentada, pois esta não “é” assim, apenas “está” assim.

Referências:

BRASIL. Casa Civil, Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, Ministério da Justiça, Ministério da Educação, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Cartilha: Crack, é Possível Vencer. Brasília, 2012.

BUSS, P.M. Uma  introdução ao conceito de Promoção da Saúde. In: Czerina, D.; Freitas, C.M. (org). Promoção da Saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.

FERREIRA, F.G.K.Y.; LUZ, J.A.; OBRZUT-NETO, L.; SANTOS, K.A. Uma visão multiprofissional humanizada no tratamento da pessoa com dependência química em enfermaria psiquiátrica de um hospital geral no Paraná. Cogitare Enfermagem, v. 10, n. 2, p. 54-62, mai/ago. 2005.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 23ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

HAHN, M.S. Promoção da saúde e terapia ocupacional. Revista do Centro de Estudos de Terapia Ocupacional - CETO, v.1, n.1, p.10-13, São Paulo, 1995. Disponível para download em:

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