quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O trabalho intersetorial e multiprofissional na recuperação e reabilitação da pessoa com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas

(Adriana Nogueira)

A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas considera, em suas diretrizes, que

a atenção psicossocial a pacientes com dependência e/ou uso prejudicial de álcool e outras drogas deve se basear em uma rede de dispositivos comunitários, integrados ao meio cultural, e articulados à rede assistencial em saúde mental (BRASIL, 2003, p.26).

Nesse sentido, as ações dos profissionais envolvidos na recuperação e reabilitação dessas pessoas, devem ser pautadas, principalmente, em conformidade com os princípios da Reabilitação Psicossocial.
A Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-americana de Saúde apresentam a Reabilitação Psicossocial como

um processo que oferece aos indivíduos que estão debilitados, incapacitados ou deficientes em virtude de transtorno mental, a oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independente na comunidade (OMS/OPAS, 2001, p.62).

Dessa forma, para que esse processo possa acontecer devem ser proporcionadas a essas pessoas as condições necessárias para o desenvolvimento desse potencial.
A Reabilitação Psicossocial é um "processo de reconstrução, um exercício pleno da cidadania, e, também, de plena contratualidade nos três grandes cenários: habitat, rede social, e trabalho com valor social", configurando-se um modelo no qual se considera a complexidade humana sob a ótica desses diferentes fatores mutuamente influenciados (SARACENO, 2001, p.16).
Este feixe de relações que o indivíduo estabelece com os lugares, com os outros, e com a vida material é, portanto, um "patrimônio ao qual se pode ter acesso, e que pode se modificar sob a força de uma intervenção que crie as condições para que o sujeito possa exercitar 'mais' escolhas". Desta forma, a reabilitação é "um conjunto de estratégias orientadas a aumentar as oportunidades de troca de recursos e de afetos", pois o processo (re)habilitador é facilitado pela dinâmica que se estabelece em um espaço de trocas (SARACENO, 2001 apud LUSSI, PEREIRA & PEREIRA JR., 2006, p.453-454).
Sendo assim, fica evidenciado que a recuperação e a reabilitação da pessoa com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas envolvem e exigem um trabalho intersetorial e multiprofissional.

Refletindo sobre a atenção integral à saúde dessas pessoas, Carvalho et al (2011, p.58) consideram que, diante da característica multicausal da dependência química, as intervenções, além de utilizarem essa abordagem psicossocial, devem procurar atender às necessidades tanto do usuário quanto dos familiares. Tais iniciativas estabelecem as condições necessárias para um bom prognóstico do tratamento, ao constituir um caminho propício para “estabilizar o quadro da dependência, garantir a remissão dos sintomas de abstinência e, evitar a recaída”. Esses autores apresentam ainda que “o tratamento e o plano de reabilitação psicossocial do dependente químico, devem ser desenvolvidos por equipe multiprofissional”.
Peduzzi (2001), apresenta “que o trabalho em equipe multiprofissional consiste uma modalidade de trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais”, sendo que a constante comunicação entre esses diferentes atores produzem ações de cooperação que enriquecem o trabalho desenvolvido.
O tratamento e recuperação de pessoas que estabeleceram uma relação de dependência na utilização de determinada substância química envolve a possibilidade das chamadas “recaídas”. Büchele, Marcatti e Rabelo (2004, p.234), indicam que “a ‘recaída’ é considerada um estado de crise, um conjunto de sintomas da doença, que se manifestam pelo abuso de substâncias, após um período de abstinência”. Esses autores refletem que a recaída possui um contexto positivo e facilitador para a recuperação dessas pessoas, caracterizando-se como um fator de confrontação do usuário dependente de substâncias psicoativas, no sentido de que este passa a perceber o caráter crônico da sua doença, e desfaz a sensação ilusória de que um curto período de tempo sem utilizar a droga de sua preferência é sinônimo de sua recuperação. A recaída permite ao indivíduo refletir profundamente sobre seu padrão de dependência e realizar escolhas com mais sentido. Muito mais do que prevenir sua recaída, essa pessoa conquista autonomia frente ao seu processo de recuperação e estabelece um novo posicionamento para sua existência.
Os profissionais que se dispõem a auxiliar essa população nesse processo de recuperação, necessitam estar subsidiados pelo conhecimento da dinâmica do tratamento, para que sua atuação seja eficaz.
Um relato dessa dinâmica é apresentado por Gorski (2014). A partir de seus estudos esse pesquisador caracteriza alguns passos que envolvem a recuperação do usuário dependente de substâncias psicoativas, que ele denomina de Plano de Prevenção de Recaída.
Esses passos consistem em primeiro lugar na “Estabilização” do indivíduo, ou seja, a pessoa deve reconquistar/desenvolver o autocontrole, controlando os seus pensamentos, as emoções, a memória, a capacidade de julgamento e seu comportamento. Esse autocontrole será capaz de proporcionar uma justa “Avaliação” sobre o que ocasionou ou pode ocasionar a recaída. O usuário dependente passará a revisar o seu histórico de uso da substância, passando a uma fase de “Aprendizado”, percebendo que para prevenir a recaída é necessário entendê-la. Quanto mais informações essa pessoa possuir sobre dependência, recuperação e recaída, mais ferramentas terá para manter o autocontrole, realizando a “Identificação dos Sinais de Aviso” que apontam os problemas mais importantes para a manutenção da sobriedade. A “Administração dos Sinais de Aviso” requer planos concretos para prevenção dos sinais de aviso, para aquisição de habilidade para lidar com os problemas a partir do momento que os sinais são identificados para questioná-los e resolvê-los. Um passo importante para manter essa habilidade é o “Inventário” diário dos acontecimentos, avaliando os fatos que foram bem enfrentados e quais os pontos que requerem melhora, e se preparando para um novo dia de manutenção da sobriedade de forma confortável. Outro passo importante é a “Revisão do Programa de Recuperação”, avaliando-o quanto à ajuda que existe para o enfrentamento dos sinais de aviso. Por fim, o “Envolvimento com Outros” é valioso, no sentido de que pessoas significativas (familiares, colegas de trabalho, membros de grupos de autoajuda) podem auxiliar no reconhecimento dos sinais de aviso enquanto ainda é possível fazer algo sobre eles.
Por tudo isso, entende-se que o tratamento e a recuperação do usuário dependente de substâncias psicoativas são favorecidos pela união de fatores físicos, emocionais e sociais, e sendo assim o tratamento deve contemplar todos esses aspectos. Para que isso ocorra, os profissionais que atuam com essa população necessitam buscar um constante aprimoramento de seus conhecimentos, refletindo e analisando sua atuação, verificando se esse cuidado integral está sendo ofertado, e promovendo a saúde e a qualidade de vida dessas pessoas.


Referências

BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST e Aids. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.

BÜCHELE F.; MARCATTI M.; RABELO D.R. Dependência química e prevenção à recaída. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 13, n. 2, p.233-240, abril/jun., 2004.

CARVALHO, F. R. M.; BRUSAMARELLO, T.; GUIMARÃES, A. N.; PAES, M. R.; MAFTUM, M. A. Causas de recaída e de busca por tratamento referidas por dependentes químicos em uma unidade de reabilitação. Colombia Médica, Cali, v. 42, n. 2, supl. 1, p. 57-62, abr./jun. 2011.

GORSKI, T. How to developed a RP Plan. Disponível em:

LUSSI, I.A.O.; PEREIRA, M.A.O.; PEREIRA JÚNIOR, A. A proposta de Reabilitação Psicossocial de Saraceno: um modelo de auto-organização? Revista Latino Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 3, n. 14, p. 448-456, maio/jun., 2006.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS); ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Relatório sobre a saúde no mundo 2001 - Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2001.

PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 103-109, fev. 2001.


SARACENO, B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Belo Horizonte/Rio de Janeiro, Te Corá Editora/Instituto Franco Basaglia, 2001.

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