O Governo Federal, por
meio de organismos tais como o Ministério da Saúde, da Justiça, do
Desenvolvimento Social, dentre outros, aponta que a atenção à pessoa com
problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas deve ser composta por
serviços e equipamentos diversos, que atendam as distintas necessidades dessas
pessoas. Especificamente na área da saúde o governo aponta a importância dos serviços
de atenção básica que ofereçam ações específicas para esse público, bem como os
consultórios de rua e os equipamentos especializados como, por exemplo, os CAPS-ad,
os leitos hospitalares e as unidades de acolhimento (BRASIL, 2012).
Este documento enfatiza
que somente as equipes de saúde possuem a competência necessária para
encaminhar o paciente para o serviço que melhor atenda suas necessidades
naquele momento específico. A avaliação dos profissionais de saúde garantem o
encaminhamento do paciente para esses serviços tais como, por exemplo, os CAPS
(tratamento ambulatorial ), internação (hospitais, unidades de acolhimento,
dentre outros), bem como atendimento em unidades de pronto-atendimento, dependendo
da demanda identificada. Essa avaliação da equipe de saúde apresenta ainda a
característica muito importante de poder identificar outras demandas do
paciente para além da questão do uso de substâncias. Situações de riscos extremos à saúde, obviamente demandam atendimento imediato, e a identificação da necessidade de outros acompanhamentos, como o sócio-assistencial por exemplo, deverá ser avaliado conjuntamente com a
equipe deste serviço (BRASIL, 2012).
Durante o atendimento,
devido ao nível de intoxicação do paciente, é comum que o mesmo não forneça as
informações mínimas para um atendimento eficaz. Essas informações deverão ser
obtidas dos acompanhantes ou dos policiais sempre que for possível. O principal
objetivo do atendimento é a manutenção das funções vitais, porém um completo
exame físico e mental, bem como exames laboratoriais e análises toxicológicas
devem ser realizados para avaliação de comorbidades como, por exemplo, ferimentos,
infecção pulmonar, insuficiência do funcionamento hepático e alterações neurológicas.
Estudos comprovam a presença concomitante de transtornos psiquiátricos dentre
os usuários de substâncias psicoativas, a denominada “comorbidade psiquiátrica”,
ou seja, a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos mentais com outras
condições clínicas gerais. Os tipos de transtornos mais comuns são: demência, delirium,
psicose (esquizofrenia), transtorno de humor (bipolar, distimia, depressão, etc),
transtornos ansiosos (pânico, fobia, transtorno obsessivo compulsivo), déficit
de atenção/hiperatividade e transtornos de personalidade (FERREIRA et al, 2005).
Os profissionais de
saúde possuem ainda um importante papel dentro do processo de reabilitação, que
é o de realizar ações promotoras de saúde junto às pessoas por eles atendidas.
Na I Conferência Internacional sobre
Promoção da Saúde, realizada no Canadá em 1986, foi redigida a denominada
“Carta de Ottawa”, na qual se encontra que a promoção de saúde é um processo
que capacita a comunidade a adquirir comportamentos que melhorem sua saúde e
qualidade de vida e a participar de maneira efetiva para controlar este
processo. Este documento indica que para se obter “bem-estar físico, mental e
social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer
necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente”, e que “a saúde deve
ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver” (BRASIL,
2002).
As ações promotoras de saúde procuram refletir sobre
as condições de vida das pessoas, as quais devem tomar suas decisões, tanto
individuais quanto coletivas, de maneira que favoreçam a saúde e a qualidade de
vida. A promoção de saúde apresenta-se como
uma
estratégia de mediação entre as pessoas e seu ambiente, combinando escolhas
individuais com responsabilidade social pela saúde. Estas estratégias de
promoção da saúde são mais integradas e intersetoriais, bem como supõem uma
efetiva participação da população desde sua formulação até sua implementação (BUSS,
2005, p.34-35).
Sendo assim, a promoção da saúde relaciona-se com o
cotidiano do indivíduo e ao contexto no qual ele se insere, participa e usufrui
o que a vida lhe oferece. Nesse sentido, o profissional de Terapia Ocupacional
inserido na equipe de atendimento, possui a responsabilidade de promover a
saúde do indivíduo, pois esse campo de atuação está diretamente ligado às
atividades cotidianas, as quais definem o estilo e qualidade de vida desta
pessoa. Os terapeutas ocupacionais crêem nas qualidades próprias das
atividades, necessárias para o bem-estar físico e emocional e, portanto, capaz
de promover saúde (HAHN, 1995).
Esta pesquisadora reflete que as atividades que
estes profissionais desenvolvem com seus clientes, particularmente as que se
enquadram nos conceitos de AVD’s (atividades da vida diária) e AIVD’s
(atividades instrumentais da vida diária), devem incluir ações informativas
sobre saúde e bem-estar como primeiro objetivo de intervenção. O relacionamento
terapeuta-cliente, nestas ações promotoras de saúde e qualidade de vida, se
caracteriza então como uma relação muita mais educativa do que terapêutica.
Nesse sentido, o terapeuta ocupacional, neste papel de agente educacional
promotor de saúde, pode enriquecer sua atuação com as reflexões que Paulo
Freire apresenta sobre a arte de ensinar.
Para FREIRE (2002), o ensino é fundamentado pela
ética e pelo respeito à dignidade e à autonomia da pessoa a quem se pretende
instruir sobre algo. Requer que o educador saiba pensar, no sentido de que
duvide de suas próprias certezas, questione suas verdades. Quando ele assim
age, existe uma maior facilidade em promover no educando o mesmo espírito.
Ensinar requer ainda a aceitação do risco que é aventurar-se em busca do
“novo”, rejeitando todas as formas de discriminação que separe as pessoas, pois
“ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro
que foi novo antes e se fez velho e se ‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro
amanhã” (p.15). Nesse sentido, torna-se imperativo tanto conhecer o que o
educando já sabe, bem como estar aberto ao conhecimento que está em construção,
pois “não há docência sem discência”, ou seja, ensinar não é algo próprio do
educador. Embora existam diferenças peculiares entre educador e educando, eles
não são objetos um do outro, pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender” (p.12).
Neste modo de se conceber o processo
ensino-aprendizagem, prossegue Freire, o educador, apesar de reconhecer o
condicionamento a que os seres humanos estão sujeitos, mais ainda reconhece a
possibilidade de interferir na realidade e modificá-la, ou seja, o futuro não é
algo imutável. O ser humano, enquanto ser inacabado deve estar consciente deste
“inacabamento”, pois a diferença entre o ser condicionado e o ser determinado
reside exatamente nesta característica, o primeiro possui a consciência do
inacabamento, e isto pode levá-lo a deixar de ver os obstáculos como algo
pré-estabelecido, uma fatalidade, e reconhecer a transitoriedade dos mesmos.
Para Freire, “é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a
educação como processo permanente” (p.34).
Desta forma, a atuação do terapeuta
ocupacional na promoção da saúde, pautada sobre estes princípios apresentados
por Paulo Freire, possui a capacidade de estabelecer, junto com o indivíduo ou
grupo alvo de sua intervenção, um processo de conscientização de que existem
outras possibilidades além da realidade apresentada, pois esta não “é” assim,
apenas “está” assim.
Referências:
BRASIL.
Casa Civil, Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
a Fome, Ministério da Justiça, Ministério da Educação, Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República. Cartilha: Crack, é Possível Vencer.
Brasília, 2012.
BUSS,
P.M. Uma introdução ao conceito de
Promoção da Saúde. In: Czerina, D.; Freitas, C.M. (org). Promoção da Saúde: conceitos,
reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.
FERREIRA, F.G.K.Y.; LUZ, J.A.; OBRZUT-NETO, L.;
SANTOS, K.A. Uma visão multiprofissional humanizada no tratamento da pessoa com
dependência química em enfermaria psiquiátrica de um hospital geral no Paraná. Cogitare
Enfermagem, v. 10, n. 2, p. 54-62, mai/ago. 2005.
FREIRE,
P. Pedagogia
da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 23ª ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2002.
HAHN, M.S. Promoção da saúde e terapia ocupacional. Revista
do Centro de Estudos de Terapia Ocupacional - CETO, v.1, n.1, p.10-13,
São Paulo, 1995. Disponível para download em:
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