Marques e Ribeiro (2008) apresentam que “comorbidade é a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos mentais ou com outras condições clínicas gerais”, sendo que a ocorrência de comorbidades entre pessoas que enfrentam problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas tem sido relatada na literatura científica.
Esses autores refletem
ainda que a investigação da ocorrência dessas comorbidades entre essa população
configura-se um importante ponto para a adesão ao tratamento, visto que tais
pessoas tendem a procurar por tratamento, e ainda, com a evolução do tratamento
do transtorno psiquiátrico associado, o tratamento da dependência da substância
tende a também obter sucesso.
Fidalgo, Pan Neto e
Silveira (2014), discutem que as comorbidades psiquiátricas estão presentes em
até 80% dos alcoolistas e em até 70% dos dependentes de substâncias ilícitas.
Depressão e transtornos ansiosos são as mais comumente encontradas. Os estudos
científicos não são conclusivos para comprovar o potencial que as substâncias entorpecentes apresentam para
desencadear quadros psiquiátricos mais graves, como o transtorno bipolar em
seus variados espectros e os transtornos psicóticos, que também são encontrados
em associação ao uso abusivo e à dependência de substâncias. Outras
comorbidades frequentes são os transtornos que se caracterizam pela presença de
impulsividade, como certos transtornos de personalidade. Observa-se ainda que a
presença de comorbidades influencia diretamente o prognóstico da dependência.
Hess, Almeida e Moraes
(2012), corroboram nesse sentido, apresentando que a presença de transtornos
psiquiátricos associados ao uso de drogas é alvo de vários estudos nacionais e
internacionais. Esses autores relatam que indivíduos com problemas relacionados
ao uso de álccol e outras drogas possuem mais chances de desenvolver um
transtorno psiquiátrico, quando comparados a indivíduos que não utilizam
drogas, sendo a identificação deste outro transtorno relevante tanto para o
prognóstico quanto para o tratamento adequado desses indivíduos. Observa-se que
dentre as comorbidades psiquiátricas mais comumente encontradas entre essa
população estão os transtornos depressivos, os transtornos ansiosos e os
transtornos de personalidade. Dados estatísticos internacionais mostraram ainda
que cerca de metade dos indivíduos dependentes de álcool e outras substâncias
possuíam um diagnóstico psiquiátrico adicional, sendo 26% Transtornos do Humor,
28% Transtorno de Ansiedade e 18% Transtornos de Personalidade Anti-Social,
dentre outras psicopatologias.
Tais autores apresentam
ainda que quanto às comorbidades psiquiátricas em pessoas com problemas
relacionados ao uso de álcool e outras drogas, existem evidências de que estas
podem ser associadas a aumento da agressividade, de suicídio, e de recaídas ao
comportamento de uso da substância após um tempo de abstinência. Estudos
demonstram ainda correlações positivas entre o comportamento suicida e traços
impulsivos e/ou impulsivo-agressivos, sendo que o suicídio tem sido relacionado
à presença de Transtorno da Personalidade Limítrofe e Anti-Social. Um estudo
realizado com 34.241 indivíduos no qual 16% reportaram ideação suicida, apontou
como fatores de vulnerabilidade para o risco de suicídio a história prévia de
tentativa e/ou de ideação suicida, o consumo de cocaína e, ainda, a dificuldade
no controle de comportamentos violentos.
Esses estudos mostram
que a depressão, incluída nos Transtornos do Humor, é uma das principais
comorbidades psiquiátricas associada ao uso de drogas.
A depressão é um
transtorno mental comum, caracterizado por humor deprimido, perda de interesse
ou prazer, sentimentos de culpa, baixa autoestima, distúrbios do sono e/ou de
apetite, desânimo e baixa capacidade de concentração. Os sintomas tendem-se a
se tornar crônicos ou recorrentes e causar grave prejuízo à capacidade do
indivíduo cumprir com as responsabilidades de seu cotidiano. Em sua pior forma
pode levar ao suicídio, o qual está associado à perda mundial de 850.000 vidas
anualmente (WHO/OMS, 2009).
Segundo Stewart (2008),
a depressão é uma desordem sub-reconhecida e pobremente tratada tanto por
especialistas não-psiquiatras quanto pelos clínicos de cuidados primários,
sendo que estudos apontam que apenas metade dos pacientes com depressão são
identificados em hospitais gerais e unidades de cuidados primários, e menos
ainda são adequadamente tratados. Esta autora nos apresenta que entre os
principais fatores responsáveis pela baixa identificação da depressão estão: o
tempo escasso para as consultas; as comorbidades concorrentes; o estigma da
doença: a preferência do clínico em lidar com as condições físicas, e não
emocionais, do paciente; a incerteza quanto à eficácia do tratamento e o
processo de negação do paciente.
Os transtornos ansiosos,
também uma comorbidade associada ao uso de drogas com alto índice de incidência
relatado pelos pesquisadores, caracterizam-se pela ansiedade e preocupação
excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por pelo
menos seis meses, nos diversos eventos ou atividades (tais como desempenho
escolar ou profissional). O indivíduo considera difícil controlar a
preocupação. A ansiedade e a preocupação estão associadas com três (ou mais)
dos seguintes sintomas, presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses:
(a) inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele; (b) fadiga;
(c) dificuldade em concentrar-se ou sensações de "branco" na mente;
(d) irritabilidade; (e) tensão muscular; (f) perturbação do sono (dificuldades
em conciliar ou manter o sono, ou sono insatisfatório e inquieto). A ansiedade,
a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento significativo ou
prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes
da vida do indivíduo, e a perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos
diretos de uma substância ou de uma condição médica geral.
Muitos pesquisadores se
dedicam à investigação da comorbidade psiquiátrica junto aos dependentes de
álcool e outras drogas. Um estudo nos EUA abrangeu mais de 20.000 pessoas e foi
estimada uma prevalência de 13,5% de dependência de álcool e 6,1% de
dependência de outras drogas. Esse estudo apontou que apresentavam um segundo
diagnóstico psiquiátrico 37% dos dependentes de álcool e 53% dos dependentes de
outras drogas, observando-se que os transtornos afetivos entre dependentes
dessas substâncias era 4,7 vezes maior em relação ao restante da população. Os
estudos mostram ainda que os transtornos depressivos são o diagnóstico mais
associado à dependência química (SILVEIRA; JORGE, 1999).
Esses autores
realizaram um estudo no Brasil com 50 indivíduos farmacodependentes, que
foram selecionados aleatoriamente entre
os pacientes de um serviço de tratamento ambulatorial. As prevalências de
transtornos mentais ao longo da vida e no momento da entrevista foram de 77% e
72%, respectivamente. Entre os pacientes, 32% apresentavam-se deprimidos por
ocasião da avaliação e 44% preencheram critérios diagnósticos para depressão na
vida. Os transtornos depressivos precederam a instalação da farmacodependência
em 77,3% dos pacientes. Outros transtornos psiquiátricos apareceram em
proporções maiores do que as observadas em estudos envolvendo população geral.
Os resultados do estudo foram comparados com estudos similares internacionais,
concluindo que a alta correlação entre psicopatologia e farmacodependência
enfatiza a importância de estratégias terapêuticas baseadas na identificação de
comorbidade psiquiátrica nestes casos e que o diagnóstico dos transtornos
psiquiátricos associados ao quadro da dependência química possibilita
intervenções direcionadas que promovem a interrupção do comportamento da
drogadicção e a diminuição da reincidência ao comportamento após o mesmo ter
cessado.
Por tudo isso, fica
evidenciada a relação das comorbidades psiquiátricas com o uso nocivo e abusivo
de substâncias psicoativas, e que sua identificação concorre positivamente para
o tratamento e recuperação das pessoas que enfrentam essa problemática em suas
vidas.
Referências
HESS,
A.R.B.; ALMEIDA, R.M.; MORAES, A.L. Comorbidades Psiquiátricas em dependentes
químicos em abstinência em ambiente protegido. Estudos de Psicologia, Natal, v. 17, n. 1, p.171-178, jan./abril
2012.
FIDALGO,
T.M.; PAN NETO, P.M.; SILVEIRA, D.X. Abordagem
da dependência química. Disponível
em:
http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/casos_complexos/Vila_Santo_Antonio/Complexo_12_Vila_Abordagem_dependencia.pdf Acesso em 20 jun.2014.
MARQUES,
A.C.P.R.; RIBEIRO, M. Abordagem geral do
usuário de substância com potencial de abuso. Projeto Diretrizes. São
Bernardo do Campo (SP): Associação Brasileira de Psiquiatria, fev. 2008, 18p.
SILVEIRA,
D.X.; JORGE, M.R. Co-morbidade psiquiátrica em dependentes de substâncias
psicoativas: resultados preliminares. Revista
Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 21, n. 3, p.145-151, set. 1999.
STEWART, D.E. Battling
depression. Canadian Medical Association
Journal, v.178, n.8, p.1023-1024, abr., 2008.
WHO - World Health Organization.
Depression. Disponível
em:
http://www.who.int/mental_health/management/depression/en/Acesso em 20 jun.2014.
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