sábado, 5 de abril de 2014

Acesso e Acolhimento com Qualidade - Um Desafio para o SUS

(Adriana Nogueira)







O acesso aos serviços e o acolhimento com dignidade e qualidade, nos serviços de saúde integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS, é um direito constitucional de todos os cidadãos brasileiros.

Uma primeira reflexão é colocada a partir da questão das dimensões continentais do nosso país e uma ínfima proporção de profissionais de sáude generalistas, especializados em Saúde da Família e da Comunidade, principalmente médicos, comparando-se essa oferta de profissionais em outros países que também preconizam um modelo universal de atendimento à saúde da população.

Ainda é incipiente a necessária mudança de paradigma da própria população sobre as alternativas de atendimento à saúde, principalmente na esfera da Atenção Básica: nas ações de prevenção dos agravos à saúde e de promoção da saúde individual e coletiva.

Esse caminho, trilhado por todas as pessoas envolvidas na consolidação desse novo modelo de atenção à saúde, envolve a responsabilização de cada uma dessas pessoas, sejam gestores, profissionais ou usuários, na estruturação efetiva da Atenção Primária à Saúde, de maneira que realmente se ofereça à população o acolhimento e o atendimento integral de suas necessidades, garantindo a resolutividade dos problemas apresentados.

Esse debate traz ainda a reflexão sobre a indissociação da educação e do trabalho enquanto determinantes sociais de saúde, considerando que tais áreas do desempenho ocupacional do ser humano estão intimamente relacionadas ao conceito individual do processo saúde-doença-cuidado, e como tal reflete no modo como o indivíduo se posiciona diante dos recursos de atenção à saúde que estão à sua disposição.

O processo de educação em saúde, desenvolvido por todos os agentes de promoção da saúde, pode ser enriquecido por meio de algumas reflexões que Paulo Freire apresenta sobre a arte de educar.

Para FREIRE (2002), o ensino é fundamentado pela ética e pelo respeito à dignidade e à autonomia da pessoa a quem se pretende instruir sobre algo. Requer que o educador saiba pensar, no sentido de que duvide de suas próprias certezas, questione suas verdades. Quando ele assim age, existe uma maior facilidade em promover no educando o mesmo espírito. Ensinar requer ainda a aceitação do risco que é aventurar-se em busca do “novo”, rejeitando todas as formas de discriminação que separe as pessoas, pois “ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que foi novo antes e se fez velho e se ‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro amanhã” (p.15). Nesse sentido, torna-se imperativo tanto conhecer o que o educando já sabe, bem como estar aberto ao conhecimento que está em construção, pois “não há docência sem discência”, ou seja, ensinar não é algo próprio do educador. Embora existam diferenças peculiares entre educador e educando, eles não são objetos um do outro, pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (p.12).

Neste modo de se conceber o processo ensino-aprendizagem, prossegue FREIRE (2002), o educador, apesar de reconhecer o condicionamento a que os seres humanos estão sujeitos, mais ainda reconhece a possibilidade de interferir na realidade e modificá-la, ou seja, o futuro não é algo imutável. O ser humano, enquanto ser inacabado deve estar consciente deste “inacabamento”, pois a diferença entre o ser condicionado e o ser determinado reside exatamente nesta característica, o primeiro possui a consciência do inacabamento, e isto pode levá-lo a deixar de ver os obstáculos como algo pré-estabelecido, uma fatalidade, e reconhecer a transitoriedade dos mesmos. Para Freire, “é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (p.34).

Desta forma, a atuação dos agentes promotores da saúde inseridos nesse sistema universal de oferta dos serviços de saúde - o SUS, pautada sobre estes princípios apresentados por Paulo Freire, possui a capacidade de estabelecer, junto com o indivíduo ou grupo alvo de sua intervenção, um processo de conscientização de que existem outras possibilidades além da realidade apresentada, pois esta não “é” assim, apenas “está” assim.

Sendo assim, essa conscientização da população abrange o conhecimento de que todos os determinantes sociais de saúde, tais como, além da educação e do trabalho, a habitação, o saneamento básico, o acesso ao lazer ativo e passivo, dentre outros, influem diretamente em sua qualidade de vida e bem-estar, que é direito constitucional da população brasileira.



Referências:

NOVO modelo de Gestão no SUS. TVNBR, Programa Cenas do Brasil (11/08/2011), 58’50”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8G55MOIA-JQ. Acesso em 23/03/2014.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 23ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.